Milagre

"Olhar a orquídea é ter tempo para a vida, e reconhecer nela o milagre que nos permite caminhar todos os dias", Quaresma..

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Os falsos heróis do povo

O mundo da política está sitiado por heróis do povo. Aqueles que se apresentam como a salvação das pessoas desprovidas dos bens públicos, e de direitos que o Estado teria por obrigação de conceder, mas acaba por trabalhar uma engenharia maquiavélica, que há séculos força o cidadão a pedir socorro por pouco. Esses super-homens nascem com os super poderes da mídia e dos cofres públicos, para fazer de conta que são eles sim, a solução para tudo e para todos. Mas, não passam de falsos heróis que se alimentam da miséria alheia, para se fortalecerem no poder.
       Quando criança, meus heróis favoritos eram aqueles de fácil acesso. Principalmente os que estavam na grade de programação das TVs abertas, regulamentadas a partir de uma concessão pública do governo brasileiro. Dos seriados japoneses, exibidos pela extinta Rede Manchete, e depois pela Record, lembro o quanto gostava do Jaspion com o gigante guerreiro Daileon; dos Changeman, o Esquadrão Relâmpago; do Black Kamen Rider; do Jiban; e do Jiraya, a quem tentei por muitas vezes imitar subindo e pulando de cadeiras e dos sofás de minha mãe.

O incrível ninja Jiraya
Jaspion

       Dos desenhos exibidos pela Glogo e SBT, na minha mente problemática, me vem a lembrança o Superman do Planeta Krypton; o Lion, líder dos ThunderCats com seu olho de Tandera; o He-man do Planeta Eternia; os Transformes de Optimos Prime e o inimigo Megatron; o incrível Huck; o Batman; e o Homem Aranha, meu favorito até os dias de hoje (não sei bem o porquê).


Superman
Transformes - Opitimus Prime

       Em outro momento não poderia deixar de citar grandes heróis que marcaram uma temporada por conta das suas histórias de uma continuidade interessante, como os Cavaleiros do Zodíaco. Eles embalaram muitas tardes minhas e de amigos meus de infância. Anos mais tarde, posso citar o Goku do Dragon ball – Z, que transitou por várias emissoras no final de minha adolescência, e não duvido que ainda tenha lugar em algum canal, seja ele aberto ou fechado.


Cavaleiros do Zodiaco

       Graças a algumas decisões tomadas durante a minha adolescência, não me tornei um viciado em desenhos. O que de repente pode ter me ajudado a buscar outros caminhos na vida, até alcançar um bom lugar no mercado e trabalho (é claro que ainda tenho muito a caminhar). Digo isso porque, convenhamos, esses heróis da minha infância pouco ou nada educavam a meninada. Não me lembro de mensagens mais educativa. Sua única missão: o bem sobre o mal.
       Mas, é verdade que todas as lutas dos heróis, com seus super-poderes, trabalhavam o imaginário de meninos e meninas, que descobriam nessas literaturas (a maioria comercial) novos mundos e novas formas de vê o seu mundo real. Mas, é também verdade que remetiam aos olhares ingênuos a catequese da necessidade do ser humano, enfraquecido, de ter alguém por ele.
       Não muito diferente dos seriados de super-heróis de quando criança, os heróis da TV de hoje, constroem a imagem de quem tem o poder de cobrir as lacunas de governos inoperantes, muitas vezes usando das estruturas dos mesmos para resolver problemas pontuais, e por isso são aplaudidos por aqueles desprovidos de consciência crítica.
       Ainda na infância, bem moleque, pela TV - preto e branco, assistia o nascimento da primeira figura dos falsos heróis da vida real. Nonato Oliveira não se prestava diretamente às crianças como os desenhos infantis. Elas assistiam a aquele programa transmitido por TV local, pela necessidade de mães e pais cuja maior luta era a da sobrevivência, num País muito desigual.
       As famílias precisavam de um grito mais alto sobre aqueles que prometiam mundos e fundos, e não conseguiam passar da política da dentadura e da assistência com sacolinhas de rancho. E esse grito surgia da TV. Assim se materializava a fórmula da conquista de audiência a partir da miséria dos outros, para a simples equação do quociente eleitoral.
       Nonato foi a revelação para deputado estadual nas eleições de 1987. Seu sucessor foi Lupércio Ramos. E desde o final dos anos 80, com a fórmula maldita melhorada, e o acesso à TV aberta cada vez mais consolidado nas classes menos favorecidas, que os programas assistencialistas e policialescos vêem fazendo efeito positivo para quem deles faz uso.
       Nonato e Lupércio fizeram público fiel de miseráveis. Mas, foi os irmãos Souza, Carlos e Wallace, que conquistaram recordes imbatíveis de votos. Carlos para Câmara Municipal de Manaus (CMM). Wallace para a Assembleia Legislativa do Estado (ALE). E depois, Carlos para a Câmara dos Deputados. O irmão Fausto não conseguiu repetir a façanha dos dois primeiros, e demorou a conseguir entrar na CMM.
      

Wallace e Carlos Souza, do instinto programa Canal Livre

       Na esteira dos Souza, um homem de passado duvidoso surge na TV com linguajar chulo, piegas, batendo em tudo e em todas as instâncias do Estado. Sabino Castelo Branco é eleito a vereador de Manaus. Anos depois, ‘esculhambando’ com prefeito e governador no seu programa, e logo em seguida se juntando a eles, surge como o novo grande herói da TV amazonense. Desta vez, com música gospel, conquista uma cadeira na Câmara Federal com uma invejável quantidade de votos.


Sabino Castelo Branco - programa Bronca na TV

       Passada a fase dos irmãos Souza e de Sabino, que ficou de escanteio depois de insistir em aperrear prefeito e governador na TV, é a vez de mais um infeliz surgir na vida miserável do povo amazonense. Com o mesmo esquema policialesco e assistencialista dos recordistas de voto, o ex-funcionário do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) Henrique Oliveira toma o espaço que estava vago. Henrique é eleito vereador de Manaus como campeão de votos e vira promessa maldita para a Câmara dos Deputados.


Henrique Oliveira - programa Fogo Cruzado

       Em 2010, Sabino conseguiu aos 45 minutos do segundo um espaço na grade de programação de TV local para o seu programinha. Mas, para ser candidato a reeleição teve que passá-lo para o seu filinho Reizo Castelo Branco, por conta da legislação eleitoral. Carlos Souza estava inoperante como um vice-prefeito apagado por conta da crise familiar que envolveu irmão e sobrinho, acusados de comandar o tráfico de armas e drogas. A morte do irmão Wallace deu vida a uma campanha quase morta.
       Henrique Oliveira deveria ter ficado sem mandato por ter escondido que era funcionário do TRE, mas, foi beneficiado pelas brechas constitucionais. E agora, os três, Carlos Souza, Sabino Castelo Branco e Henrique Oliveira, os falsos heróis do povo se enfrentarão num combate interessante pelo voto dos miseráveis.
       Os campeões de voto terão agora que dividir essa sopa eleitoral numa sufocante disputa onde os heróis parecem cansados, desgastados pelo tempo, como os seriados japoneses. Pior, terão dividir a sopa com outra porção de políticos que usam da concessão pública para obter o sufrágio eleitoral.

 
Emerson Quaresma

2 comentários:

  1. Apontar estes heróis do povo é algo até corriqueiro! Lembro que quando foram eleitos, em 98, AC fez até uma matéria sobre a ficha corrida dos Irmaõs cara-de-pau, ops, coragem: estelionato, roubo, estupro e outras coisas escabrosas estavam nas suas fichas mas, como sabemos, foram eleitos e os casos ficaram esquecidos pela justiça. Aliás, este é um bom tema a ser explorado por você, de como a Justiça esquece os casos contra parlamentares.

    Robson Franco

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  2. Correndo em paralelo com esses programas de cunho policialesco, brotaram outros formatos como os assistencialistas de várias vertentes, daí surgiram a Conceição Sampaio e seus derivados, o Marcos Rotta e seus derivados, como a Mirtes Sales.
    Na mesma linha de conduta, devemos mencionar aqueles que exploram a fé como produto eleitoral, basta ver a quantidade de apresentadores/politicos na Camara e Assembléia.
    Não podemos deixar de atribuir responsabilidade aos donos dos veículos de comunicação, eles são tão culpados quanto os exploradores da miséria alheia e da ausencia do estado em cumprir seu papel constitucional de prover educação, saúde e segurança ao cidadão.

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