Outro dia conheci um
senhor chamado Chico. Mais de 60 no RG, mais de 80 nos olhos. Trabalhador,
desde criança enfrentou a guerra diária por aquilo que era vital, que era
necessário, o básico para manter-se nessa luta sua particular. Por suas mãos
muitas ferramentas passaram e se acostumaram a elas.
Por vez, num relampejo
da mente cansada, dizia para si que lhe falta algo. Mas deixou a vida passar,
não correu atrás desse algo a mais que lhe faltava, até porque as cobranças da
sua guerra lhe eram maiores. Como Chico, milhões de brasileiros da sua época
sofreram com a ausência do “algo a mais” para certa liberdade: um lápis, um
papel e algum professor para alfabetizar.
Desde menino (tenho hoje
30 anos) ouço falar dos desafios de fazer com que pessoas comuns, como o nosso
personagem da vida real, decifrassem as letras das palavras que elas falavam. A
Alfabetização no nosso País sempre foi dos assuntos mais importantes das
discussões nacionais. Mas é claro, quase sempre quem as colocou na pauta dos
governos foi a sociedade civil, que com esse tempo foi se organizando.
Hoje, poucos de nós
sabemos que há uma data no calendário brasileiro para celebrar a alfabetização.
E esse dia é hoje, 14 de novembro. Um dia como qualquer outro, pois não é
feriado nacional. Contudo, poderia ser um dia como outro qualquer de muitos
debates em busca de soluções plausíveis para a Educação dos brasileiros. Porém,
a data se mantém como um dia como qualquer outro, sem o devido acirramento do
debate que busque quebrar a praxe da política de bolsas assistencialistas.
Num Brasil onde se fala
de bilhões para isso e bilhões para aquilo outro, um lugar onde se vende
programas e mais programas de reis, o mais incrível é que, enquanto pensávamos
que o combate ao analfabetismo vinha avançando por meio de projeto bem vendidos
na propaganda governamental, nos deparamos com uma taxa crescente de
brasileiros que não sabem ler nem escrever.
Dados de 2012, do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que 8,7%, ou
seja, 13,2 milhões de brasileiros são analfabetos. Até 2011 essa taxa era de
8,6. Ganhamos com isso mais de 300 mil novos analfabetos nas estatísticas do
nosso ‘brasilzão’.
Desde 1997 vivíamos uma
tendência de queda quanto a esses dados negativos. E aqui fica a pergunta: com
um orçamento anual cada vez maior, de uma força emergente que, de acordo com a
propaganda, passou quase imune à última crise econômica, por que então
conseguimos essa proeza de superar economicamente a Inglaterra, ao mesmo tempo
em que coroamos milhares pessoas, da nossa força produtiva, como analfabetas?
Um País tão grande
quanto as suas desigualdades tem endereço certo quando falamos de problemas
sociais. O Nordeste é a região que concentra a maior população de analfabetos
do País. Um número assustador de 7,1 milhões de brasileiros. Uma taxa que saiu
negativa de 16,9% para 17,4%. O mais curioso é que, o IBGE aponta estagnação dessa
taxa no Centro-Oeste, enquanto na região Norte se conseguiu a proeza de manter
a redução, muito embora num ritmo decadente.
De setembro de 2008 a
abril de 2013, o Programa Brasil Alfabetizado atendeu, em Manaus, o total de 21.679
cidadãos. No Amazonas, o PBA chegou a alfabetizar 84.158 amazonenses no mesmo
período. Um trabalho bom, número significativo, mas não poderia parar por ai.
Infelizmente estagnou. Hoje a média é de somente mil pessoas por ano, enquanto
no começo dos trabalhos do programa foi possível atender mais de 10 mil por
ano.
Seu Chico está entre
aquelas pessoas que não foram alcançadas pelos projetos dos governos. Talvez
nele ainda haja aquela ponta de esperança de conseguir lidar com as letras. Alfabetizar
é incluir socialmente pessoas. O discurso tem que deixar de ser somente
discurso. Os senhores dos orçamentos precisam dar dignidade àqueles que não
tiveram a oportunidade devida lá atrás e garantir o acesso a todas as crianças que
estão chegando.